sábado, 22 de fevereiro de 2025

Guardas Municipais: Síntese de um reconhecimento anunciado.

 

Guardas Municipais: Síntese de um reconhecimento anunciado.

Osmar Ventris[1]

“Uma Doutrina de Segurança e Risco”

“É o município célula básica onde o cidadão vive e trabalha” ... “Assim, à Guarda Municipal deve caber a tarefa dentro da estrutura do Poder Público, Município, Estado e União, de exercer prioritariamente a ação ostensiva preventiva na garantia da segurança do cidadão” ... “desse modo, a ação preventiva ostensiva da Guarda Municipal em todos os quadrantes da cidade servirá de posto avançado, órgão básico de informações e de ligação entre o cidadão e os demais Poderes do Estado. Se o município é a sentinela avançada e o primeiro escalão responsável pelos serviços essenciais do cidadão, transporte, saúde, educação, caberia a Guarda Municipal exercer junto a esses serviços e nos seus órgãos encarregados, a ação de presença preventiva e, mesmo conforme o caso, dotada de ação repressiva, eis que a ação delituosa se faz presente em todos os tipos de situação.”  

Erasmo Dias – Deputado Estadual – 1993

 (apud MORAES, Benedito A A, 1995, pg 42 – A Guarda Municipal e a Segurança Pública)

 

Introdução

A discussão sobre o papel das Guardas Municipais no Brasil tem sido tema de intenso debate desde a promulgação da Constituição Federal de 1988. No entanto, foi a partir de 2005, participando ativamente de movimentos com guardas municipais, que comecei a escrever e defender de forma incisiva a tese de que as Guardas Municipais exercem atividade policial, sendo, portanto, uma Polícia Municipal. Essa visão foi consolidada em 2007, com o lançamento da primeira edição do meu livro-ensaio "Guarda Municipal: Poder de Polícia e Competência", no qual argumentei que o Poder de Polícia é um atributo do Estado e que todos os agentes públicos, como representantes do Estado, estão investidos desse poder.

Na obra, esclareci que somente os agentes públicos que exercem atividade policial estão autorizados a portar armas, algemas e bastões (tonfas) para fazer valer a lei, em benefício da sociedade e na defesa do próprio Estado. Hoje, neste ensaio, retomo as reflexões que apresentei há 18 anos, analisando a evolução do papel das Guardas Municipais, sua fundamentação legal e filosófica, e sua missão na segurança pública. Reafirmo a direção que sempre preconizei: a Guarda Municipal é a Polícia Municipal, pois sempre exerceu atividade policial, zelando pela segurança e ordem no município.

 

Desenvolvimento

1. O Poder de Polícia e a Atividade Policial das Guardas Municipais

O conceito de Poder de Polícia é central para entender a atuação das Guardas Municipais. Em minha obra de 2007, defendi que o Poder de Polícia é um poder do Estado, exercido por seus agentes para garantir a ordem e a segurança pública. Esse poder não se restringe às polícias tradicionais (Federal, Civil e Militar), mas se estende a todos os agentes públicos que atuam na defesa do Estado e das instituições democráticas. Nesse sentido, as Guardas Municipais, como agentes do Estado na esfera municipal, estão investidas desse poder e, portanto, exercem atividade policial.

A Constituição Federal de 1988, no Título V - "Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas", e no Capítulo III - "Da Segurança Pública", estabelece que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, e é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Em minha obra, argumentei que as Guardas Municipais estão incluídas nesse contexto, garantindo aos cidadãos o acesso e uso seguro e ordenado dos bens, serviços e instalações oferecidos pelo poder público.

Enfatizei dois pontos fundamentais:

1.     O Guarda Municipal está inserido no Título V da CF/88: "Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas". Portanto, o Guarda Municipal é um agente do Estado Brasileiro na esfera municipal, com a missão de defender o Estado e as instituições democráticas no âmbito municipal.

2.     O Guarda Municipal está inserido no Capítulo III do Título V - "Da Segurança Pública". Logo, também atua na segurança pública, ou seja, na segurança do cidadão na esfera da competência municipal, exercendo atividade policial municipal.

 

2. A Evolução Legal das Guardas Municipais

2.1 - Constituição Federal de 1988

O artigo 144 da Constituição Federal possibilita a criação das guardas municipais incluindo-as no Capítulo Segurança Pública do Título Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, fornecendo a base legal para a existência e atuação das guardas municipais, ampliando seu campo de atuação em função das demandas municipais por segurança pública.

2.2 - Estatuto Geral das Guardas Municipais

A Lei 13.022/2014, conhecida como o Estatuto Geral das Guardas Municipais, foi um marco importante na regulamentação das atividades dessas instituições. Essa lei estabeleceu diretrizes claras para a atuação das Guardas Municipais, reconhecendo seu papel na segurança pública e definindo suas competências. Entre outras coisas, a lei permitiu que as Guardas Municipais atuassem de forma preventiva e repressiva, em colaboração com as demais forças de segurança, para garantir a ordem pública e a segurança dos cidadãos.

2.3 – Constitucionalidade da atuação das Guardas Municipais

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020, que confirmou a constitucionalidade da atuação das Guardas Municipais como força de segurança pública, foi um passo decisivo nesse processo. O STF reconheceu que as Guardas Municipais exercem atividade policial e que sua atuação é essencial para a segurança pública, especialmente no âmbito municipal. Essa decisão corrobora as teses que defendi desde 2005, consolidando o papel das Guardas Municipais como uma força policial municipal.

 

2.4 - A Decisão do STF de 20 de Fevereiro de 2025

Em 20 de fevereiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu uma decisão histórica que ampliou as atribuições das Guardas Municipais, permitindo que atuem em policiamento urbano, desde que não sobreponham as atividades das polícias Militar e Civil. Segundo o STF, "as guardas municipais não têm poder de investigar, mas podem fazer policiamento ostensivo e comunitário e agir diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, inclusive realizar prisões em flagrante. Sua atuação fica limitada às instalações municipais, em cooperação com os demais órgãos de segurança pública e sob a fiscalização do Ministério Público".

O relator do processo, ministro Luiz Fux, foi favorável à ampliação dos poderes da Guarda Municipal, posição acompanhada pelos ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Flávio Dino e André Mendonça. Essa decisão reforça o entendimento de que as Guardas Municipais são uma força de segurança pública essencial, atuando de forma complementar às polícias tradicionais.

2.5 - A Proposta de Mudança do Nome da Guarda Municipal para Polícia Municipal

Em decorrência da decisão do STF, o Prefeito de São Paulo propôs mudar o nome da Guarda Municipal para Polícia Municipal. Essa proposta reflete o reconhecimento das atribuições que as Guardas Municipais já exerciam há anos, apesar de contrariar interesses meramente corporativos. A mudança de nome não é apenas simbólica, mas representa a consolidação do papel das Guardas Municipais como uma força policial municipal, com competências claras e reconhecidas legalmente.

 

3. A Filosofia de Atuação e a Missão das Guardas Municipais

A missão das Guardas Municipais vai além da simples proteção de bens e instalações públicas. Como destaquei em 2007, a Guarda Municipal tem a responsabilidade de garantir a ordem pública, permitindo que os cidadãos possam acessar e usufruir dos bens e serviços públicos de forma segura e ordenada. Isso inclui a prevenção de crimes, a mediação de conflitos e a intervenção em situações de desordem ou risco à segurança dos cidadãos.

A filosofia de atuação das Guardas Municipais deve ser pautada pela defesa do interesse público e pela proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Diferentemente dos seguranças privados, que atuam na defesa de interesses privados, os Guardas Municipais são agentes do Estado e, portanto, têm como missão impor a Soberania do Estado e proteger a sociedade como um todo. Essa distinção é crucial para entender o papel das Guardas Municipais na segurança pública e sua importância para a manutenção da ordem e da paz social.

 

4 - Conclusão

A evolução do papel das Guardas Municipais no Brasil, desde as minhas primeiras reflexões até as recentes decisões do STF, demonstra que essas instituições são, de fato, uma força policial municipal essencial para a segurança pública. A fundamentação legal e filosófica de sua atuação, baseada no Poder de Polícia e na defesa do interesse público, confirma que as Guardas Municipais não são uma mera premonição, mas uma constatação da necessidade de uma força de segurança pública no âmbito municipal.

A decisão do STF de 20 de fevereiro de 2025 e a proposta de mudança do nome da Guarda Municipal para Polícia Municipal por algumas prefeituras são passos importantes nesse processo, consolidando o reconhecimento das atribuições que as Guardas Municipais já exerciam há anos, apesar de contrariar interesses meramente corporativos. Esses avanços reforçam a importância das Guardas Municipais como agentes da segurança pública, cumprindo sua missão de proteger a sociedade e garantir a ordem no âmbito municipal.

A decisão do STF de 20 de fevereiro de 2025 e a proposta de mudança do nome da Guarda Municipal para Polícia Municipal por algumas prefeituras são passos no sentido do reconhecimento das atribuições que as Guardas Municipais, com os parcos recursos municipais, vem exercendo com destemor em nosso país há décadas em prol da qualidade de vida de nossa população.

A Marcha ainda não terminou. Ainda temos um caminho a percorrer, e sei que há vários grupos unidos perseverando para regulamentação cabal tendo em vista o clamor popular por segurança com qualidade por agentes municipais, que conhecem e se identificam com a cultura local.

 

5 - Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 10 out. 2023.

BRASIL. Lei nº 13.022, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm. Acesso em: 10 out. 2023.

MORAES, Benedito A. A. Guarda Municipal e Segurança Pública. Piracicaba-SP: Gráfica Degaspari, 1995.

VENTRIS, Osmar. Guarda Municipal: Poder de Polícia & Competência. 1ª ed. São Paulo: Editora Canal 6, 2007.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Decisão sobre a constitucionalidade da atuação das Guardas Municipais. 2020. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 10 out. 2023.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Decisão de 20 de fevereiro de 2025 sobre o policiamento urbano pelas Guardas Municipais. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 10 out. 2023.

 

 

Osmar Ventris[2]:

Especialista (stritu sensu) em Segurança Pública e autor do livro-ensaio "Guarda Municipal: Poder de Polícia e Competência".