- Creio que o
investimento em cultura seja uma ação de cidadania e de educação de um povo.
Somos o que somos, ou seja, distinguimo-nos de outros povos através das
manifestações culturais. Por isso parece-me que seja válida qualquer ação de
mobilização cultural. Focá-la apenas do ponto de vista social seria restritivo.
(Silvia Finguerut, gerente geral de patrimônio e ecologia da Fundação Roberto
Marinho)
Sob
o título POR QUE OS MILIONÁRIOS
BRASILEIROS NÃO DOAM SUAS FORTUNAS À UNIVERSIDADES[1]foi publicado site época.globo.com, interessante matéria sobre a cultura
norte-americana de investimento em universidades e cultura em geral feito por
milionários.
A reportagem
cita o caso do museu Casa Daros, no Rio de Janeiro, prestes a fechar as portas
por falta de investimento, contrastando
com O Guggenheim, em Nova York, no coração de Manhattan, que
simplesmente prospera, graças ao investimento privado.
O que chama a atenção no artigo são
os dois enfoques dados à cultura, ou seja: a cultura de uma nação de investir
na cultura do povo e solidificar a consciência de cidadania e de pertencimento a
uma nação.
Transcrevemos abaixo trecho do artigo:
“A tradição da filantropia americana vem
de longe. É possível pensar que Andrew Carnegie seja seu maior
ícone e, de certo modo, definidor conceitual. Imigrante pobre, Carnegie fez
fortuna na siderurgia americana, na segunda metade do século XIX. Em 1901, aos
66 anos, vendeu suas indústrias ao banqueiro J.P. Morgan e
tornou-se o maior filantropo americano. Uma de suas tantas proezas, não
certamente a maior, foi construir mais de 3 mil bibliotecas, nos Estados
Unidos. Em 1889, escreveu o artigo “The Gospel of Weath”, defendendo que os
ricos deveriam viver com comedimento e tirar da cabeça a ideia de legar sua
fortuna aos filhos. Melhor seria doar o dinheiro para alguma causa, ou várias
delas, a sua escolha, ainda em vida. O Estado poderia dar um empurrãozinho,
aumentando o imposto sobre a herança, mas deveria evitar a tributação das
grandes fortunas. O melhor resultado, para todos, seria obtido se os próprios
ricos distribuíssem sua riqueza, com cuidado e responsabilidade. Recentemente,
foi o argumento usado por Bill Gates, o maior filantropo de nossa
era, em oposição a Thomas Piketty e sua obsessão em tributar os mais ricos.
Gates não fala da boca para fora, nem é uma
voz isolada. Em 2009, ele lançou, junto com Warren Buffett, o mais
impressionante movimento de incentivo à filantropia já visto: The
Giving Pledge. A campanha tem, até o momento, 128 signatários. Para
participar, basta ser um bilionário e assinar uma carta prometendo doar, em
vida, mais da metade de sua fortuna a projetos humanitários. Para boa parte
dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson, criador da Oracle,
comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna, hoje avaliada em US$ 56 bilhões.
Buffett foi além: vai doar 99%. Como bem observou o filósofo alemão Peter
Sloterdijk, parece que, ao contrário do que acreditávamos no século XX, não são
os pobres, mas os ricos que mudarão o mundo. Sloterdijt, por óbvio, não conhece
bem o Brasil.
Nos Estados Unidos, o valor das doações
individuais à filantropia chega a US$ 330 bilhões por ano. No Brasil, os
números são imprecisos, mas estima-se que o montante não passa de US$ 6 bilhões
por ano. Apenas 3% do financiamento a nossas ONGs vem de doações individuais,
contra mais de 70%, no caso americano.
Há, segundo a tradicional lista da
revista Forbes, 54 bilionários no Brasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao
movimento da Giving Pledge.”
Em seguida, o texto observa os motivos que
fazem a diferença em termos de comportamento do Estado como agente fomentador
de investimentos privados em cultura:
... “sistemas de incentivo fiscal a
doações. Nos Estados Unidos, se alguém quiser doar algum recurso para o MoMA (o
Museu de Arte Moderna, em Nova York), poderá abater até 30% de seu
rendimento tributável. Para algumas instituições, esse percentual sobe a
50%. No Brasil, seu abatimento é limitado a 6% do Imposto de Renda, se o contribuinte
fizer a declaração completa
.... outro exemplo: os americanos adotam como
principal estratégia de financiamento de suas instituições – sejam museus,
universidades ou orquestras sinfônicas – os chamados “fundos de endowment”. A ideia é bem simples: uma
poupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a ano, da qual a
instituição retira parte dos rendimentos para seu custeio. Simplesmente nenhuma
grande instituição universitária ou cultural americana vive sem seu endowment. Há 75 universidades
com fundos de mais de US$ 1 bilhão. O maior de todos, de Harvard,
tem US$ 36 bilhões em caixa.
Pois bem, vamos imaginar que um milionário
acordasse, dia desses, decidido a doar uma boa quantia para algum endowment no Brasil. Ele gosta de artes
visuais e quer doar a um museu. Em primeiro lugar, ele não teria nenhum
incentivo fiscal para fazer isso. O Ministério da Cultura simplesmente proíbe
que um museu brasileiro apresente um projeto para receber doações para endowments. Em segundo lugar, não
haveria nenhum endowment para ser
apoiado. Nos Estados Unidos, ele encontraria milhares, e bastaria escolher
algum, na internet. Em Pindorama, nenhum. As leis não favorecem, os incentivos
inexistem, as instituições não estão organizadas para receber as doações. E a
culpa segue por conta de nossa “formação cultural”.
Outra razão diz respeito ao modelo de
gestão de nossas instituições. O Brasil teima, em pleno século XXI, a
manter uma malha obsoleta de universidades estatais. Elas consomem perto de 30%
dos recursos do Ministério da Educação, mas nenhuma se encontra entre as 200
melhores do mundo, no último levantamento da revista Times Higher
Education. Enquanto isso, os Estados Unidos dispõem de 48 das 100 melhores
universidades globais. Princeton, Yale, Columbia, MIT seguem, em regra, o mesmo
padrão: instituições privadas, sem fins lucrativos, com largos endowments, cobrando mensalidades e
oferecendo um amplo sistema de bolsas por mérito (em âmbito global), e
ancoradas em uma rede de alumni[2] e parcerias públicas e
privadas. Não é diferente do que ocorre com museus e instituições culturais. ”
Na verdade, como ponderou Silvia Finguerut[3],
“não podemos esperar que um governo sujeito a avaliações eleitorais venha a
priorizar ações culturais em detrimento de ações focadas na saúde,
moradia e alimentação de um povo. Esse governo deve sim emanar conceitos e
incentivar o investimento cultural através de leis e da manutenção de
equipamentos públicos sob sua gestão”, lembrando que “o investimento em cultura
é prioritário seja ela qual for. É lógico que num país com tantas carências há
que se atender em primeiro lugar a alimentação e a saúde. Na educação, a
cultura já está implícita. ”
Concluindo:
INOVAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA se faz com
participação popular e a prática do accountability
vertical.
É fato que as leis refletem a cultura de um
povo em dado momento histórico.
Também é fato que esta cultura muda, com o
decorrer do tempo e desenvolvimento da tecnologia e acesso a novos
conhecimentos e novas experiências exitosas.
Por outro lado, também é fato que nem tudo
que dá certo para outros povos dá certo para todos os povos.
Também é fato que não dá para, de um dia para
o outro, mudar a cultura de um povo.
Todavia, também é correto afirmar que o
Brasil que queremos, está em nossas mãos, e não exclusivamente nas mãos dos
gestores públicos de plantão.
A Constituição em vigor instituiu uma série
de mecanismos estimulando a participação popular na elaboração das políticas
públicas, entre as quais destacamos as Conferências Públicas, os Conselhos
Municipais, Estaduais e Nacional; as audiências públicas e o Orçamento
Participativo, acrescentando o Direito de Petição[4] onde o Poder Público é
obrigado a responder dentro do prazo legal.
É fato que, “quanto mais avançado o estado
democrático, maior o interesse pela accountability. E a accountability
governamental tende a acompanhar o avanço de valores democráticos, tais como
igualdade, dignidade humana, participação, representatividade” (CAMPOS, 1990,
p. 4)[5]
Portanto, a participação popular através dos
mecanismos disponibilizados pelo nosso arcabouço jurídico é de fundamental
importância tanto para o aprimoramento democrático, como pela conscientização
da importância do exercício da cidadania.
Todavia, exatamente na questão da
participação popular e da sociedade organizada, é que se apresenta um gargalo:
como um povo historicamente afastado das decisões políticas de seu país, sem
acesso à educação formal adequada, inspirada pela cultura do “levar vantagem em
tudo” e cultura da tolerância do “ele rouba mas faz” flexibilização da
moralidade e da ética, acrescido da sensação de que a coisa pública e por
consequência, o dinheiro público, não tem dono, abrindo portas para a
corrupção, sonegação, fraudes e outras artimanhas próprias do “jeitinho
brasileiro” de dar aparência de legal para o imoral e ilegal, poderá contribuir
para mudança de cultura e atentar para a importância em se investir na
preservação e difusão da cultura de seu país?
Lembrando que nossa população não participou
da Independência do Brasil: apenas foi comunicado havendo resistência em
algumas regiões. A população também não participou da deposição de D. Pedro I e
muito menos ainda, do golpe que derrubou D. Pedro II, e instituiu a República
Brasileira.
Aliás, pelo que consta, a população nem sabia
o que era República, e o próprio exército pensava que estava desfilando em uma
parada cívica no Rio.
Posteriormente vieram as Repúblicas, Velha,
do Café com Leite, Nova e Ditadura Militar. Em todas elas, sempre houve uma
forma, mais ou menos severa, de reprimir a participação popular.
Portanto, com advento da chamada Constituição
cidadã, estamos vivendo uma fase de transição cultural, onde a população e a
própria sociedade civil organizada está aprendendo exercitar a cidadania, que,
infelizmente, não foi conquistada, foi concedida, daí necessitar de um maior
tempo para a população se conscientizar e se apoderar dos poderosos
instrumentos participativos na elaboração e execução das políticas públicas em
seu município, estado e país.
“A política cultural de um país ou de uma
região pode até mudar de acordo com orientações de governo. Entretanto, quem
faz cultura é o povo” [6]
[1]
http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/06/por-que-os-milionarios-brasileiros-nao-doam-suas-fortunas-universidades.html
[2]
ALUMNI: palavra de origem latina que significa
"nutridos" ou "alimentados", atualmente utilizada com o
significado de "graduados", ou "bacharéis pós-graduados, pós-graduação ou ex-aluno de uma escola, faculdade ou
universidade específica.
[3] Silvia Finguerut, gerente geral de patrimônio
e ecologia da Fundação Roberto Marinho
http://www.gife.org.br/artigo-investimento-em-cultura-esta-integrado-ao-desenvolvimento-social-8038.asp acessado em 10/06/2015
[4]
DIREITO DE PETIÇÃO: CF/88, artigo 5º, inciso XXXIV: “são a todos assegurados,
independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes
Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder; b) a
obtenção de certidão em repartição pública, para defesa de direitos e
esclarecimento de situações de interesse pessoal.”
Este instituto permite a qualquer pessoa dirigir-se
formalmente a qualquer autoridade do Poder Público, com o intuito de levar-lhe
uma reivindicação, uma informação, queixa ou mesmo uma simples opinião acerca
de algo relevante para o interesse próprio, de um grupo ou de toda a
coletividade.
A maneira como este pedido ou informação será
realizado é totalmente desvinculada de qualquer formalismo. Exige-se apenas que
se faça por meio de documento escrito. Tal o sentido da palavra “petição”, do
referido dispositivo. .... O órgão público para o qual é dirigida a petição não
poderá negar o recebimento e o conhecimento dela. Se o fizer, estará
desrespeitando direito constitucionalmente conhecido e o agente omisso estará
sujeito a sanções civis, penais e administrativas
BOLOGNIES,
VALCIR JOSÉ in “Direito de Petição: um direito de todos”. www.raul.pro.br/artigos/dirpet.htm
[5]
Citado por Pamela de Moura Santos, in
ACCOUNTABILITY VERTICAL NO BRASIL: O EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A
NECESSIDADE DE INFORMATIZAÇÃO - http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=73eb26ad4e0c9d3f
acessado em 13/06/2-15
[6] Silvia Finguerut, já citado
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