domingo, 14 de junho de 2015

Falando sobre a “nossa cultura”...




- Creio que o investimento em cultura seja uma ação de cidadania e de educação de um povo. Somos o que somos, ou seja, distinguimo-nos de outros povos através das manifestações culturais. Por isso parece-me que seja válida qualquer ação de mobilização cultural. Focá-la apenas do ponto de vista social seria restritivo. (Silvia Finguerut, gerente geral de patrimônio e ecologia da Fundação Roberto Marinho)

Sob o título POR QUE OS MILIONÁRIOS BRASILEIROS NÃO DOAM SUAS FORTUNAS À UNIVERSIDADES[1]foi publicado site época.globo.com, interessante matéria sobre a cultura norte-americana de investimento em universidades e cultura em geral feito por milionários.
A reportagem cita o caso do museu Casa Daros, no Rio de Janeiro, prestes a fechar as portas por falta de investimento, contrastando com O Guggenheim, em Nova York, no coração de Manhattan, que simplesmente prospera, graças ao investimento privado.

O que chama a atenção no artigo são os dois enfoques dados à cultura, ou seja: a cultura de uma nação de investir na cultura do povo e solidificar a consciência de cidadania e de pertencimento a uma nação.
Transcrevemos abaixo trecho do artigo:
A tradição da filantropia americana vem de longe. É possível pensar que Andrew Carnegie seja seu maior ícone e, de certo modo, definidor conceitual. Imigrante pobre, Carnegie fez fortuna na siderurgia americana, na segunda metade do século XIX. Em 1901, aos 66 anos, vendeu suas indústrias ao banqueiro J.P. Morgan e tornou-se o maior filantropo americano. Uma de suas tantas proezas, não certamente a maior, foi construir mais de 3 mil bibliotecas, nos Estados Unidos. Em 1889, escreveu o artigo “The Gospel of Weath”, defendendo que os ricos deveriam viver com comedimento e tirar da cabeça a ideia de legar sua fortuna aos filhos. Melhor seria doar o dinheiro para alguma causa, ou várias delas, a sua escolha, ainda em vida. O Estado poderia dar um empurrãozinho, aumentando o imposto sobre a herança, mas deveria evitar a tributação das grandes fortunas. O melhor resultado, para todos, seria obtido se os próprios ricos distribuíssem sua riqueza, com cuidado e responsabilidade. Recentemente, foi o argumento usado por Bill Gates, o maior filantropo de nossa era, em oposição a Thomas Piketty e sua obsessão em tributar os mais ricos.
Gates não fala da boca para fora, nem é uma voz isolada. Em 2009, ele lançou, junto com Warren Buffett, o mais impressionante movimento de incentivo à filantropia já visto: The Giving Pledge. A campanha tem, até o momento, 128 signatários. Para participar, basta ser um bilionário e assinar uma carta prometendo doar, em vida, mais da metade de sua fortuna a projetos humanitários. Para boa parte dessas pessoas, doar 50% é pouco. Larry Elisson, criador da Oracle, comprometeu-se em doar 95% de sua fortuna, hoje avaliada em US$ 56 bilhões. Buffett foi além: vai doar 99%. Como bem observou o filósofo alemão Peter Sloterdijk, parece que, ao contrário do que acreditávamos no século XX, não são os pobres, mas os ricos que mudarão o mundo. Sloterdijt, por óbvio, não conhece bem o Brasil.
Nos Estados Unidos, o valor das doações individuais à filantropia chega a US$ 330 bilhões por ano. No Brasil, os números são imprecisos, mas estima-se que o montante não passa de US$ 6 bilhões por ano. Apenas 3% do financiamento a nossas ONGs vem de doações individuais, contra mais de 70%, no caso americano.
Há, segundo a tradicional lista da revista Forbes, 54 bilionários no Brasil. Nenhum aderiu, até o momento, ao movimento da Giving Pledge.”

Em seguida, o texto observa os motivos que fazem a diferença em termos de comportamento do Estado como agente fomentador de investimentos privados em cultura:
... “sistemas de incentivo fiscal a doações. Nos Estados Unidos, se alguém quiser doar algum recurso para o MoMA (o Museu de Arte Moderna, em Nova York), poderá abater até 30% de seu rendimento tributável. Para algumas instituições, esse percentual sobe a 50%. No Brasil, seu abatimento é limitado a 6% do Imposto de Renda, se o contribuinte fizer a declaração completa
.... outro exemplo: os americanos adotam como principal estratégia de financiamento de suas instituições – sejam museus, universidades ou orquestras sinfônicas – os chamados “fundos de endowment”. A ideia é bem simples: uma poupança de longuíssimo prazo, destinada a crescer, ano a ano, da qual a instituição retira parte dos rendimentos para seu custeio. Simplesmente nenhuma grande instituição universitária ou cultural americana vive sem seu endowment. Há 75 universidades com fundos de mais de US$ 1 bilhão. O maior de todos, de Harvard, tem US$ 36 bilhões em caixa.
Pois bem, vamos imaginar que um milionário acordasse, dia desses, decidido a doar uma boa quantia para algum endowment no Brasil. Ele gosta de artes visuais e quer doar a um museu. Em primeiro lugar, ele não teria nenhum incentivo fiscal para fazer isso. O Ministério da Cultura simplesmente proíbe que um museu brasileiro apresente um projeto para receber doações para endowments. Em segundo lugar, não haveria nenhum endowment para ser apoiado. Nos Estados Unidos, ele encontraria milhares, e bastaria escolher algum, na internet. Em Pindorama, nenhum. As leis não favorecem, os incentivos inexistem, as instituições não estão organizadas para receber as doações. E a culpa segue por conta de nossa “formação cultural”.
Outra razão diz respeito ao modelo de gestão de nossas instituições. O Brasil teima, em pleno século XXI, a manter uma malha obsoleta de universidades estatais. Elas consomem perto de 30% dos recursos do Ministério da Educação, mas nenhuma se encontra entre as 200 melhores do mundo, no último levantamento da revista Times Higher Education. Enquanto isso, os Estados Unidos dispõem de 48 das 100 melhores universidades globais. Princeton, Yale, Columbia, MIT seguem, em regra, o mesmo padrão: instituições privadas, sem fins lucrativos, com largos endowments, cobrando mensalidades e oferecendo um amplo sistema de bolsas por mérito (em âmbito global), e ancoradas em uma rede de alumni[2] e parcerias públicas e privadas. Não é diferente do que ocorre com museus e instituições culturais. ”

Na verdade, como ponderou Silvia Finguerut[3], “não podemos esperar que um governo sujeito a avaliações eleitorais venha a priorizar ações culturais em detrimento de ações focadas na saúde, moradia e alimentação de um povo. Esse governo deve sim emanar conceitos e incentivar o investimento cultural através de leis e da manutenção de equipamentos públicos sob sua gestão”, lembrando que “o investimento em cultura é prioritário seja ela qual for. É lógico que num país com tantas carências há que se atender em primeiro lugar a alimentação e a saúde. Na educação, a cultura já está implícita. ”


Concluindo:
INOVAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA se faz com participação popular e a prática do accountability vertical.
É fato que as leis refletem a cultura de um povo em dado momento histórico.
Também é fato que esta cultura muda, com o decorrer do tempo e desenvolvimento da tecnologia e acesso a novos conhecimentos e novas experiências exitosas.
Por outro lado, também é fato que nem tudo que dá certo para outros povos dá certo para todos os povos.
Também é fato que não dá para, de um dia para o outro, mudar a cultura de um povo.
Todavia, também é correto afirmar que o Brasil que queremos, está em nossas mãos, e não exclusivamente nas mãos dos gestores públicos de plantão.
A Constituição em vigor instituiu uma série de mecanismos estimulando a participação popular na elaboração das políticas públicas, entre as quais destacamos as Conferências Públicas, os Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional; as audiências públicas e o Orçamento Participativo, acrescentando o Direito de Petição[4] onde o Poder Público é obrigado a responder dentro do prazo legal.
É fato que, “quanto mais avançado o estado democrático, maior o interesse pela accountability. E a accountability governamental tende a acompanhar o avanço de valores democráticos, tais como igualdade, dignidade humana, participação, representatividade” (CAMPOS, 1990, p. 4)[5]
Portanto, a participação popular através dos mecanismos disponibilizados pelo nosso arcabouço jurídico é de fundamental importância tanto para o aprimoramento democrático, como pela conscientização da importância do exercício da cidadania.
Todavia, exatamente na questão da participação popular e da sociedade organizada, é que se apresenta um gargalo: como um povo historicamente afastado das decisões políticas de seu país, sem acesso à educação formal adequada, inspirada pela cultura do “levar vantagem em tudo” e cultura da tolerância do “ele rouba mas faz” flexibilização da moralidade e da ética, acrescido da sensação de que a coisa pública e por consequência, o dinheiro público, não tem dono, abrindo portas para a corrupção, sonegação, fraudes e outras artimanhas próprias do “jeitinho brasileiro” de dar aparência de legal para o imoral e ilegal, poderá contribuir para mudança de cultura e atentar para a importância em se investir na preservação e difusão da cultura de seu país?
Lembrando que nossa população não participou da Independência do Brasil: apenas foi comunicado havendo resistência em algumas regiões. A população também não participou da deposição de D. Pedro I e muito menos ainda, do golpe que derrubou D. Pedro II, e instituiu a República Brasileira.
Aliás, pelo que consta, a população nem sabia o que era República, e o próprio exército pensava que estava desfilando em uma parada cívica no Rio.
Posteriormente vieram as Repúblicas, Velha, do Café com Leite, Nova e Ditadura Militar. Em todas elas, sempre houve uma forma, mais ou menos severa, de reprimir a participação popular.
Portanto, com advento da chamada Constituição cidadã, estamos vivendo uma fase de transição cultural, onde a população e a própria sociedade civil organizada está aprendendo exercitar a cidadania, que, infelizmente, não foi conquistada, foi concedida, daí necessitar de um maior tempo para a população se conscientizar e se apoderar dos poderosos instrumentos participativos na elaboração e execução das políticas públicas em seu município, estado e país.
“A política cultural de um país ou de uma região pode até mudar de acordo com orientações de governo. Entretanto, quem faz cultura é o povo” [6]



[1] http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/06/por-que-os-milionarios-brasileiros-nao-doam-suas-fortunas-universidades.html

[2] ALUMNI: palavra de origem latina que significa "nutridos" ou "alimentados", atualmente utilizada com o significado de "graduados", ou "bacharéis pós-graduados, pós-graduação ou ex-aluno de uma escola, faculdade ou universidade específica.

[3] Silvia Finguerut, gerente geral de patrimônio e ecologia da Fundação Roberto Marinho

[4] DIREITO DE PETIÇÃO:  CF/88, artigo 5º, inciso XXXIV: “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidades ou abuso de poder; b) a obtenção de certidão em repartição pública, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.”
Este instituto permite a qualquer pessoa dirigir-se formalmente a qualquer autoridade do Poder Público, com o intuito de levar-lhe uma reivindicação, uma informação, queixa ou mesmo uma simples opinião acerca de algo relevante para o interesse próprio, de um grupo ou de toda a coletividade.
A maneira como este pedido ou informação será realizado é totalmente desvinculada de qualquer formalismo. Exige-se apenas que se faça por meio de documento escrito. Tal o sentido da palavra “petição”, do referido dispositivo. .... O órgão público para o qual é dirigida a petição não poderá negar o recebimento e o conhecimento dela. Se o fizer, estará desrespeitando direito constitucionalmente conhecido e o agente omisso estará sujeito a sanções civis, penais e administrativas
BOLOGNIES, VALCIR JOSÉ in “Direito de Petição: um direito de todos”.  www.raul.pro.br/artigos/dirpet.htm

[5] Citado por Pamela de Moura Santos, in ACCOUNTABILITY VERTICAL NO BRASIL: O EXERCÍCIO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E A NECESSIDADE DE INFORMATIZAÇÃO - http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=73eb26ad4e0c9d3f acessado em 13/06/2-15

[6] Silvia Finguerut, já citado

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